A Índia é um quebra-cabeça que os Estados Unidos e seus aliados devem resolver

Na emaranhada teia da política internacional, a Índia apresenta um enigma tentador. Com a sua economia em expansão, é visto como o próximo grande mercado.

Ao mesmo tempo, à medida que a influência de Pequim cresce, a importância estratégica da Índia como contrapeso à China não foi perdida por potências globais como os Estados Unidos.

Mas por baixo desta camada de dinâmica geopolítica existe uma narrativa perturbadora: um possível abuso de poder que os líderes globais não se podem dar ao luxo de ignorar.

As sombras das acusações

No passado mês de Junho, o anoitecer caiu sobre Vancouver com a notícia chocante do assassinato de um líder Sikh, mas o que causou repercussão nos círculos diplomáticos foi a afirmação do Canadá sobre o potencial envolvimento da Índia.

Justin Trudeau, o primeiro-ministro canadiano, com uma tensão quase palpável no ar, destacou “alegações credíveis” que aludiam ao papel dos agentes indianos neste assassinato. O peso de tal declaração não passa despercebido a ninguém: questões estão a ser levantadas de Tóquio a Londres.

Seria de esperar que a Índia rejeitasse veementemente estas alegações como “absurdas”, mas o que é intrigante é que, a portas fechadas, os líderes globais, incluindo o Presidente dos EUA, Joe Biden, levantaram estas preocupações com Narendra Modi na cimeira do G20. É preciso perguntar: estará o mundo a ver o custo real de fechar os olhos a certos aspectos do passado de Modi?

Modi, o líder nacionalista hindu, certa vez teve seu visto para os EUA negado devido a preocupações com violações da liberdade religiosa. Avançando alguns anos, será saudado com grandeza nas capitais globais, de Paris a Washington.

É evidente que, à sombra do gigante chinês, muitas reservas anteriores foram convenientemente postas de lado. Mas, como qualquer estrategista que se preze sabe, ignorar problemas potenciais muitas vezes leva a complicações futuras.

Realpolitik ou moralidade: uma bifurcação no caminho

Para alguns diplomatas ocidentais, a abordagem pragmática pode consistir em sussurrar discretamente as suas preocupações, enfatizando a relação estratégica mais ampla. Afinal de contas, uma relação forte com a Índia de Modi, dada a sua influência geopolítica, é considerada por muitos como inegociável.

Se a história servir de guia, os relacionamentos podem resistir até mesmo às acusações mais sérias. Basta recordar o breve distanciamento de Washington de Riade após o incidente de Jamal Khashoggi.

A Arábia Saudita, apesar da natureza grotesca das acusações, encontra-se nas boas graças das potências ocidentais. É quase como se a amnésia tomasse conta das relações internacionais quando passa tempo suficiente.

Contudo, a adopção desta estratégia com a Índia poderia ser um erro de cálculo. Se Nova Deli realmente teve um papel nos acontecimentos em Vancouver, fazer ouvidos moucos ou simplesmente pressionar o botão de pausa nas sutilezas diplomáticas poderia enviar uma mensagem perigosa: a de que a Índia pode agir sem repercussões.

Isto não só reforça a crença de potências como a China e a Rússia de que o Ocidente pode ser hipócrita, mas também corre o risco de alienar as nações em desenvolvimento.

Não há como negar que a política externa é complexa, muitas vezes um ato de equilíbrio entre interesses e valores. Mas há momentos em que uma posição clara e de princípios se torna imperativa.

E agora pode ser um momento assim. Cabe ao Canadá apresentar as suas provas de forma transparente. Dançar nas sombras não é uma opção.

Feito isso, a bola irá diretamente para o campo das democracias ocidentais. Terão de decidir: resolverão o puzzle que é a Índia, evitando as questões preocupantes, ou irão enfrentá-las de frente?

Ao quebrar a Índia, os Estados Unidos e os seus aliados encontram-se numa encruzilhada. As escolhas feitas hoje determinarão não só a sua relação com a Índia, mas também a própria ética da sua política externa.