De onde vêm os novos superpoderes antitruste?

De onde vêm os novos superpoderes antitruste?

Como o quadro regulamentar antitruste está a mudar. Análise aprofundada de Vitalba Azzollini em Phastidio.net

Parecer do Conselho de Estado (CdS) de Janeiro passado sobre algumas competências atribuídas à Autoridade da Concorrência e dos Mercados (Antitrust, AGCM) pela lei de conversão do decreto-lei do Activo (art. 1.º, cc 5 e 6, decreto legislativo 104 /2023). Vale a pena falar sobre isso, considerando a amplitude e a abrangência das intervenções que, seguindo a interpretação dada à lei pelos juízes, passam a ser permitidas pelo Antitruste.

A LEI DE CONVERSÃO DO DECRETO DE ATIVOS

Um artigo da lei que converte o decreto de activos no transporte aéreo – um artigo que fala, entre outras coisas, sobre técnicas algorítmicas utilizadas para rotas insulares e durante períodos de pico de procura, perfil de utilizador e preços variáveis ​​com base no dispositivo utilizado para a reserva – deu os novos e significativos poderes antitruste. Se, na sequência de uma investigação de apuramento dos factos, a Autoridade detectar "problemas concorrenciais que dificultem ou distorçam o correcto funcionamento do mercado com os consequentes danos para os consumidores, poderá impor às empresas em causa (…) quaisquer medidas estruturais ou comportamentais necessárias e proporcionais medida, a fim de eliminar distorções da concorrência".

A leitura do dispositivo e do contexto em que se insere levaria a crer que a possibilidade de intervenção da AGCM se limita ao sector considerado pelo artigo, que também se intitula “Disposições relativas à transparência dos preços praticados nos voos domésticos” . Mas a AGCM pediu ao Conselho de Segurança que esclarecesse se o novo poder deveria ser considerado limitado ao sector do transporte aéreo de passageiros ou extensível a todos os sectores afectados por investigações de apuramento de factos efectuadas pela mesma autoridade. No pedido de parecer, a Autoridade forneceu aos juízes uma série de elementos a favor da segunda opção.

O PARECER DO CONSELHO DE ESTADO

Segundo o CdS, embora a previsão da competência da AGCM para impor medidas estruturais ou comportamentais esteja incluída num artigo dedicado ao transporte aéreo, aplica-se a qualquer setor económico. Por um lado, a lei vincularia o poder do Antitruste à única existência de “problemas concorrenciais que dificultem ou distorçam o correto funcionamento do mercado com consequentes danos aos consumidores”, sem referência a limitações setoriais ou de produto. Por outro lado, o objectivo da intervenção legislativa seria “garantir o restabelecimento da concorrência efectiva” em todos os contextos em que a “própria estrutura do mercado” determine a atenuação da concorrência. E, em qualquer caso, a disposição é formulada de modo a deixar margem para interpretação.

Além disso, dizem ainda os juízes, se as competências da Autoridade dissessem respeito apenas a um sector específico, haveria “tratamento desigual (…) no que diz respeito a sectores económicos diferentes do dos transportes aéreos”. Além disso, a legislação inglesa e alemã também reconhece poderes semelhantes às respetivas autoridades da concorrência, sem limites setoriais.

A CONSULTA AGCM

Após o parecer do Conselho de Segurança, e o reconhecimento relacionado dos novos e generalizados poderes, em 12 de Março a Autoridade colocou para consulta uma comunicação sobre a aplicação dos próprios poderes após a realização de investigações de apuramento de factos.

Ressalte-se que o Antitruste sempre teve competência para conduzir tais investigações quando um mercado ou setor apresenta características que sugerem a existência de obstáculos à concorrência. No entanto, antes do decreto sobre os activos (e do parecer do Conselho de Segurança), a Autoridade concluiu a investigação de apuramento de factos limitando-se a um relatório e, possivelmente, a recomendações ou relatórios; ou, no caso de conduta potencialmente prejudicial à regulamentação antitruste, abrir investigação contra as empresas às quais a conduta foi imputável, a fim de apurar a sua responsabilidade.

Hoje, porém, a Autoridade tem o poder de impor às empresas que operam num mercado com uma estrutura concorrencial crítica "qualquer medida estrutural ou comportamental" destinada a eliminar distorções da concorrência, e isto independentemente de uma violação, mesmo que apenas hipotética, das regras antitrust regras pelas próprias empresas. E se estes últimos não cumprirem as medidas impostas pela AGCM, poderão ser sancionados.

O presidente da AGCM, Roberto Rustichelli, também falou sobre as novas competências no dia 17 de abril, durante a apresentação do Relatório Anual das atividades realizadas em 2023.

OS RELEVIOS DO AXÔNIMO

O poder, reconhecido pelo CdS ao Antitrust, de impor medidas significativas destinadas a eliminar distorções da concorrência na sequência não de uma investigação, mas de uma investigação de apuramento de factos, face a problemas concorrenciais não especificados, suscitou críticas da 'Assonime, expressas em um documento de posição publicado em 15 de abril.

A primeira observação da Associação é que o alargamento das competências da AGCM decorre não de «uma vontade clara e explícita do Legislador», na sequência de um debate parlamentar aprofundado e de uma discussão com os interessados, mas de «uma leitura, não totalmente convincente, por parte do Conselho de Estado (…), o que acabou por criar bastante confusão na hierarquia das fontes do direito”.

Desta forma, a AGCM tornou-se detentora de um “superpoder”:

A tradicional função de guardião e guardião da concorrência (ao apurar a violação das regras que proíbem acordos restritivos e o abuso de posição dominante) é complementada pela de (…) política verdadeiramente activa e de regulação ex ante do mercado.

Assim, as prerrogativas antitruste acabam invadindo

[…] funções típicas da política industrial sem, no entanto, estas novas funções serem correctamente equilibradas através de medidas de controlo e garantia.

Assonime explica bem o conceito:

As empresas podem estar sujeitas a restrições e obrigações muito significativas, incluindo a venda de sucursais de negócios e de activos corpóreos ou incorpóreos, incluindo direitos de propriedade intelectual, sem que qualquer violação das regras antitrust lhes seja imputável, pelo simples facto de operarem num sector económico que, na opinião da Autoridade, apresenta disfunções na dinâmica competitiva com prejuízos para os consumidores.

PROPOSTAS DO ASSONYME

O pressuposto da aplicabilidade do poder da AGCM – afirma Assonime – é "tão amplo e genérico que é potencialmente ilimitado e susceptível de se traduzir num exercício arbitrário de poder", e isso "pode ​​desincentivar os investimentos e retardar injustificadamente a atracção e o desenvolvimento das atividades econômicas".

Por isso, segundo a associação, é necessária uma intervenção legislativa – eventualmente com a próxima lei anual do mercado e da concorrência – que identifique e limite precisamente as condições em que a Autoridade pode recorrer ao novo poder. Assonime identifica-as como “disfunções competitivas plenas, significativas e persistentes no mercado nacional”, e acrescenta que o exercício deste poder deve, em qualquer caso, constituir uma “extrema ratio”. Além disso, a Autoridade deverá partilhar as medidas mencionadas, antes da sua adoção, por um lado, com a Rede Europeia de Autoridades da Concorrência, para verificar se estão em linha com as promovidas noutros estados membros; por outro lado, com autoridades e instituições internas que desempenham “tarefas de regulação sectorial”, para que possam exprimir as suas próprias avaliações, e assim evitar “o risco de sobreposição de intervenções e de conflito/inconsistência de decisões”.

SILÊNCIO

Como é possível que o novo e relevante poder antitruste tenha passado praticamente despercebido? É verdade que a conversa diária nos meios de comunicação social sobre diversas e possíveis banalidades é preferida a temas "técnicos" muito mais sérios, como aquele que procurámos esclarecer.

Mas talvez neste caso a explicação seja outra: simplesmente, é um poder que, ao percorrer o texto que converteu o decreto do Património, ninguém tinha reparado. Então, ninguém falou sobre isso. E assim não houve atenção nem mesmo à opinião do Conselho de Segurança.

Muitas vezes queixamo-nos de que em Itália existem demasiadas leis. Às vezes, até o que as regras não dizem pode se tornar lei.

Nesta interessante história, que a grande atenção de Vitalba trouxe à luz para nós, não juristas (mas ainda cidadãos), temos uma Autoridade que acredita poder aproveitar a oportunidade de maiores poderes contidos no decreto de Bens (ah, a língua italiana! ). Depois temos o Conselho de Estado que concorda com ela, e a própria Autoridade que tenta codificar a decisão numa nova prática operacional.

Temos a certeza de que todos no governo estão vigilantes e conscientes do assunto e da sua evolução? Porque se por um lado alguém do executivo pudesse ser a favor destas “superpotências”, relembrando as propostas “singulares” sobre o crédito formuladas há algum tempo pelo actual presidente pro tempore da AGCM, e talvez imaginando outras intervenções bem-vindas, por exemplo sobre a fixação de preços do transporte aéreo de passageiros, não deverá passar despercebido que, talvez sob outros presidentes pro tempore (ou talvez sob este, quem sabe), poderão haver iniciativas improvisadas que possam posteriormente levantar a questão da tentativa de desempoderamento do executivo e do legislativo por uma tecnoestrutura “não eleita”.

É, portanto, melhor avaliar se não é preferível codificar melhor os métodos de intervenção do Antitrust. Talvez tornando-as mais incisivas, mas só depois de terem sido estabelecidos procedimentos que garantam que o garante da concorrência não se transforme no demiurgo da política industrial.

Artigo publicado em phastidio.net


Esta é uma tradução automática de uma publicação publicada em Start Magazine na URL https://www.startmag.it/economia/super-poteri-antitrust/ em Sun, 28 Apr 2024 05:37:16 +0000.